Um estudo em vermelho – Segunda parte, Capítulo 5

Arthur Conan DoyleUm estudo em vermelho

Segunda parte: A terra dos santos

Título original: A Study in Scarlet
Publicado em Beeton’s Christmas Annual, Londres, 1887.

Sobre o texto em português:
Este texto digital reproduz a
tradução de A Study in Scarlet publicado em
As Aventuras de Sherlock Holmes, Volume I,
editado pelo Círculo do Livro
e com tradução de Hamílcar de Garcia.

Capítulo quinto: Os anjos vingadores

Durante toda a noite viajaram por veredas irregulares, coalhadas de pedregulhos. Mais de uma vez perderam o rumo, mas o profundo conhecimento que Hope tinha da montanha de novo os levava ao bom caminho. Quando rompeu a manhã, um panorama selvagem e maravilhoso surgiu ante os seus olhos. Em todas as direções, os picos nevados, que lhes fechavam os quatro horizontes, apontavam um atrás do outro até se perderem nas névoas da distância. E tão abruptas eram as suas vertentes rochosas, de um e outro lado, que os pinheiros e lanços pareciam suspensos acima das cabeças dos viajantes, à espera de uma simples lufada de vento para tombar sobre eles. Semelhante receio não era tão imaginário, pois todo o estéril vale estava juncado de troncos e pedregulhos que ali se haviam despenhado. E, no momento exato em que passavam, uma enorme pedra rolou fragorosamente pela encosta escarpada; com um estrondo que o eco repetia nas gargantas solitárias. Assustados, os cavalos lançaram-se a galope.

Quando o sol se ergueu a leste, os cumes das grandes montanhas foram se iluminando um após outro, como as lâmpadas de uma festa, até ficarem vermelhos e cintilantes. O magnífico espetáculo reanimou os três fugitivos, dando-lhes novas energias.

Junto a uma torrente impetuosa, que brotava de um barranco, fizeram alto e deram de beber aos cavalos, aproveitando o ensejo para uma breve refeição. Lucy e seu pai teriam repousado um pouco mais, mas Jefferson Hope foi inexorável:

— Nesta altura, eles já devem estar no nosso encalço. Tudo depende da nossa rapidez. Depois de sãos e salvos em Carson City, poderemos descansar o resto da vida.

Durante todo aquele dia continuaram a sua luta através dos desfiladeiros, e à tardinha calculavam levar cinqüenta quilômetros de vantagem sobre os inimigos. Quando caiu a noite, escolheram a base de uma rocha saliente, que oferecia abrigo contra o vento gelado, e ali, aconchegados uns aos outros para se aquecerem, gozaram de algumas horas de sono. Antes da aurora, porém, já estavam cm pé e novamente a caminho. Não encontraram nenhum indício dos seus perseguidores, e Jefferson Hope começava a pensar que estavam finalmente fora do alcance da terrível organização em cuja ira haviam incorrido. Mal sabia ele, no entanto, até onde alcançava aquela mão de ferro, ou com que rapidez ela desceria para esmagá-los.

Na metade do segundo dia de fuga, as suas poucas provisões começaram a escassear. Isso não preocupava, contudo, o jovem caçador, pois havia caça abundante nas montanhas, e em outras e freqüentes ocasiões ele se habituara a contar somente com a carabina para prover o seu sustento. Encontrando um canto abrigado, reuniu uma pilha de ramos secos e fez uma boa fogueira para se aquecerem, porque estavam agora quase mil e quinhentos metros acima do nível do mar, e o ar era frio e cortante. Depois de amarrar os cavalos e despedir-se de Lucy, Jefferson pôs a arma ao ombro e saiu à caça do que pudesse encontrar naquelas alturas. Olhando para trás, viu a moça e o velho acocorados junto ao fogo, e, mais ao fundo, os três animais imóveis. Depois, os rochedos do caminho esconderam-nos dos seus olhos.

Andou alguns quilômetros através de uma e outra ravina sem nada encontrar, embora notasse marcas nas cascas das árvores e outras indicações de que havia numerosos ursos pelas vizinhanças. Finalmente, após duas ou três horas de busca infrutífera, quando já pensava em voltar desesperado, ergueu por acaso os olhos e deu com algo que lhe causou um frêmito de satisfação. No topo de um cume, mais de cem metros acima, aprumava-se um animal um pouco parecido com um carneiro, mas armado de um par de chifres enormes. O “chifrudo”, como é chamado na região o carneiro selvagem, era provavelmente a sentinela de um rebanho invisível para o caçador, mas por sorte o animal ia em direção oposta e não o tinha notado. Deitando-se ao abrigo de uma rocha, Jefferson apoiou a carabina e mirou detidamente antes de apertar o gatilho. O animal deu um salto, contorceu-se um instante à beira do precipício e rolou para o vale.

A caça era demasiado pesada para ser posta ao ombro, de sorte que o caçador contentou-se em cortar-lhe um quarto e parte do flanco. Carregando esse troféu, apressou-se em regressar, pois a noite já se avizinhava. Entretanto, apenas se pusera a andar notou a dificuldade que se lhe deparava agora. No seu açodamento, tinha ultrapassado as ravinas que não conhecia, e não era fácil voltar sobre os seus próprios passos. O vale em que se achava dividia-se e subdividia-se em muitas gargantas, tão semelhantes umas às outras que era impossível distingui-las. Enveredou por uma delas durante mais de um quilômetro até chegar a uma torrente que, estava bem certo, não tinha visto antes. Convicto de que tomara um rumo falso, tentou um outro, com o mesmo resultado. A noite chegava rapidamente, e estava quase escuro quando ele finalmente atingiu um desfiladeiro que lhe era familiar. Mesmo assim, não era fácil seguir a vereda certa, porque a lua ainda não surgira e os altos penhascos de cada lado tornavam a escuridão ainda mais profunda. Sobrecarregado com a caça, exausto pelas fadigas da jornada, Jefferson Hope avançava cambaleante, mantendo a firmeza de ânimo ao pensar que a cada passo estava mais próximo de Lucy e que levava consigo provisão suficiente para o resto da viagem.

Chegava enfim à boca do desfiladeiro onde os tinha deixado. Apesar da escuridão, reconhecia perfeitamente a linha das  fragas que o compunham. Com certeza o aguardavam ansiosos, pensou ele, após aquelas longas cinco horas de ausência. Tomado de grande alegria, depôs por um instante o seu fardo e, com as mãos em concha junto à boca, desferiu um grito prolongado, que reboou no vale anunciando a sua chegada. Deteve-se um instante à espera da resposta. Mas apenas ouviu o seu próprio grito, devolvido pelo eco dos barrancos silenciosos e profundos, incontáveis vezes repetidos pelos subterrâneos distantes. Tornou a gritar, mais alto ainda, e novamente nenhum sussurro lhe veio dos amigos que havia tão pouco deixara ali. Um terror vago e sem nome se apoderou dele. Jefferson precipitou-se freneticamente para o desfiladeiro, abandonando a sua preciosa carga.

Quando transpôs a curva da senda, descortinou plenamente o lugar onde tinha feito a fogueira. Ainda cintilavam algumas brasas, mas era evidente que não a tinham avivado desde que ele partira. O mesmo silêncio mortal reinava em toda a redondeza. Com o receio transformado em certeza, Jefferson pôs-se a correr. Chegando junto aos restos da fogueira, não encontrou vivalma: os animais, o velho, a jovem, todos tinham desaparecido. Era demasiado evidente que, durante a sua ausência, tinha acontecido algo terrível. . . uma desgraça que não deixara sequer um traço.

Atordoado por aquele golpe tremendo, Jefferson Hope teve de se apoiar à carabina para não perder o equilíbrio. Mas era essencialmente um homem de ação, e bem depressa venceu esse instante de abandono. Tomando um tição da fogueira, soprou-o até que chamejasse, e com ele começou a examinar o pequeno acampamento. O chão estava todo marcado de cascos, mostrando que um grande número de homens montados havia arrebatado os fugitivos; e o rumo das pegadas indicava claramente que eles tinham voltado para Salt Lake City. Teriam levado consigo os seus dois companheiros? Jefferson Hope estava quase persuadido de que assim fora quando os seus olhos deram com um objeto que o estarreceu. Pouco mais adiante, a um lado do acampamento, havia um montículo de terra avermelhada que seguramente não estava ali antes. Não era possível tomá-lo por outra coisa senão uma sepultura recente. Aproximando- se, o jovem caçador encontrou uma forquilha cravada à cabeceira do túmulo e, presa nela, uma folha de papel. A inscrição que se lia nesse  papel era breve mas eloqüente:

Richard Gutschmidt, 1902

Richard Gutschmidt, 1902

JOHN FERRIER,
QUE FOI DE SALT LAKE CITY,
FALECIDO A 4 DE AGOSTO DE 1860

O vigoroso velho, que ele deixara havia poucas horas, tinha então desaparecido, e era aquele o seu epitáfio. Jefferson Hope olhou desesperadamente em torno para ver se havia uma segunda sepultura, mas não encontrou nada. Lucy fora levada pelos seus terríveis perseguidores, a fim de cumprir seu destino como uma das mulheres do harém do filho de um ancião. Quando o jovem compreendeu que tal seria a sina de Lucy e reconheceu a sua incapacidade para evitá-la, desejou que ao lado do velho fazendeiro também ele já estivesse na sua última e silenciosa morada.

Todavia, o seu espírito combativo venceu mais uma vez a inércia causada pelo desespero. Se outra coisa não lhe restava agora, ao menos poderia dedicar a sua existência à vingança. Juntamente com a sua inquebrantável paciência e sua perseverança, Jefferson Hope sabia guardar rancor e alimentar um espírito de vingança, aprendido talvez na convivência com os índios. Em pé, junto ao fogo solitário, via agora que só poderia mitigar a sua dor aplicando aos seus inimigos, com as próprias mãos, a pena de talião. Decidiu, então, que a sua vontade férrea e a sua inesgotável energia seriam doravante dedicadas a esse fim. Pálido e soturno, regressou até o lugar onde deixara cair a caça e, avivando o fogo, preparou alimento suficiente para alguns dias. Malgrado o seu cansaço, pôs o fardo ao ombro e voltou pelo caminho da montanha, no rastro dos anjos vingadores.

Durante cinco dias, com os pés feridos, exausto, arrastou-se pelos desfiladeiros que havia atravessado a cavalo. A noite, atirava-se sobre as rochas e concedia a si próprio umas poucas horas de sono, mas, antes do romper da aurora, já estava novamente a caminho. No sexto dia, chegou ao Barranco da Águia, que era onde havia começado a sua desventurada fuga. Dali, o seu olhar podia alcançar toda a terra dos mórmons. Derreado, apoiou-se à carabina e ergueu o punho descarnado contra a cidade silenciosa que se estendia abaixo. Fixando a vista, notou que havia bandeiras em algumas das ruas principais e outros sinais de festa. Estava ainda refletindo sobre qual seria o motivo daquilo, quando ouviu um tropel de cascos e viu que um homem montado vinha na sua direção. Mais de perto, reconheceu-o como sendo um mórmon chamado Cowper, a quem tinha prestado mais de um favor. Aproximou-se, pois, na esperança de saber qual fora o destino de Lucy.

— Sou Jefferson Hope — disse ele. — Lembra-se de mim?

O mórmon olhou-o com indisfarçável espanto. Com efeito, era muito difícil reconhecer naquele vagabundo maltrapilho e sujo, de olhos esgazeados e rosto espectral, o valente caçador de dias antes. Mas, mal o mórmon se deu por satisfeito quanto à identidade de Hope, a sua surpresa transformou-se em consternação.

— É uma loucura vir aqui! — exclamou ele. — Eu mesmo, se virem com quem estou falando, serei um homem perdido. Há uma ordem de captura expedida pelos quatro contra o homem que ajudou os Ferrier a fugir.

— Não os temo, nem à sua ordem — disse Hope em tom grave. — Você deve saber alguma coisa a respeito desse assunto, Cowper. Peço-lhe, por tudo quanto é sagrado, que me responda a algumas perguntas. Sempre fomos bons amigos. Pelo amor de Deus, não se negue a me responder.

— De que se trata? perguntou o mórmon, contrafeito. — Seja breve. As próprias rochas têm ouvidos e as árvores enxergam.

— Que aconteceu a Lucy Ferrier?

— Casou-se ontem com o jovem Drebber. Ânimo, homem, ânimo! Parece estar morrendo.

— Não se preocupe comigo — disse Hope com um fio de voz. Sem uma gota de sangue no rosto, deixara-se cair sobre o rochedo. — Casou-se, foi o que disse?

— Sim, casou-se ontem… é por isso que a Casa das Espórtulas está embandeirada. Houve uma altercação entre o jovem Drebber e o jovem Stangerson sobre quem ficaria com ela. Os dois faziam parte da patrulha que perseguiu os Ferrier, e Stangerson julgava-se com mais direitos por ter matado o pai dela. Mas a coisa foi discutida no conselho e o lado de Drebber mostrou-se mais forte, de forma que o profeta a deu a ele. Mas ninguém a terá por muito tempo, porque ainda ontem vi a morte no seu rosto. Ela mais parece um fantasma do que uma mulher. Já vai andando?

— Sim, vou andando — respondeu Jefferson Hope, levantando-se.

O seu rosto parecia esculpido em mármore, de tão duro e imóvel, mas ardia-lhe nos olhos um clarão funesto.

— Para onde vai?

— Pouco lhe importa — respondeu o jovem.

E, enfiando a arma no ombro, meteu-se por uma garganta estreita e rumou para o coração da montanha, que era um covil de animais selvagens. Entre eles não havia um que fosse mais feroz ou perigoso do que ele próprio.

A predição do mórmon realizou-se com demasiada presteza. Fosse pela morte horrível do pai ou em conseqüência do odioso casamento a que fora compelida, a pobre Lucy não mais ergueu a cabeça, definhando e morrendo um mês depois. O estúpido marido, que a desposara principalmente pelos bens de Ferrier, não se mostrou muito compungido, mas as suas demais esposas choraram a morte de Lucy, e na véspera do enterro velaram o seu corpo, como é costume entre os mórmons. Estavam elas reunidas em torno do caixão, às primeiras horas da manhã, quando viram, com pasmo e terror, abrir-se violentamente a porta e um homem andrajoso, de aspecto sinistro, açoitado pela intempérie, entrar na sala. Sem olhar nem dizer palavra às mulheres estarrecidas, encaminhou-se para a forma branca e solitária que contivera a alma pura de Lucy Ferrier. Inclinando-se sobre ela, comprimiu reverentemente os lábios na fronte gélida da morta, e depois, tomando-lhe a mão, tirou-lhe a aliança do dedo.

— Não será enterrada com isto — rugiu ele, e, antes que dessem o alarme, desceu as escadas e desapareceu.

Tão estranho e breve foi esse episódio que as próprias testemunhas mal teriam acreditado nele não fosse o fato indiscutível de ter desaparecido o pequeno aro de ouro que indicava o noivado e o casamento daquela que morrera.

Durante alguns meses, Jefferson Hope errou pelas montanhas, levando uma vida estranha e selvagem e nutrindo no peito o intenso desejo de vingança que o dominava. Corriam histórias pela cidade a respeito de uma figura espectral, vista rondando os subúrbios e esgueirando-se pelas gargantas solitárias das montanhas. Certa vez uma bala assobiou pela janela de Stangerson e foi alojar-se na parede, um palmo acima dele. Noutra ocasião, quando Drebber passava sob um penhasco, uma enorme pedra precipitou-se de grande altura e sem dúvida lhe teria dado morte horrível se ele não houvesse se estendido no chão. Os dois jovens mórmons não tardaram muito em descobrir o motivo desses atentados contra as suas vidas, e organizaram repetidas expedições às montanhas, na esperança de capturar ou matar o seu inimigo, mas jamais tiveram êxito. Passaram então a precaver-se e nunca saíam sozinhos à noite, além de colocarem sentinelas nas suas casas. Algum tempo depois, como o seu adversário não mais fosse visto nem ouvido, abandonaram essas medidas, esperando que o tempo lhe tivesse acalmado a sede de vingança.

Longe disso, só a fizera aumentar. O caçador tinha um caráter duro e implacável, e a idéia predominante da vingança de tal modo lhe tomara o ênimo que nele não havia lugar para qualquer outra emoção. Era, contudo, um homem prático, e depressa compreendeu que até a sua férrea constituição não poderia resistir ao permanente esforço a que ele a submetia. A vida ao relento, a falta de alimentos sãos, estavam a consumi-lo. Se morresse na montanha como um cão, que seria feito da sua vingança? Se persistisse naquela vida, seria esse sem dúvida o seu destino. Compreendeu, além disso, que, assim, fazia o jogo dos seus inimigos, portanto, embora com relutância, voltou às velhas minas de Nevada, para ali recuperar a saúde e juntar o dinheiro suficiente a fim de, sem privações, prosseguir no seu objetivo.

Tencionava ausentar-se apenas por um ano, mas uma série de circunstâncias imprevistas impediu-o de deixar as minas por quase cinco anos. Todavia, ao cabo desse tempo, a memória do que sofrera e a sua sede de vingança eram tão vivas como naquela noite inesquecível em que estivera junto da sepultura de John Ferrier. Disfarçado, e sob um nome falso, voltou a Salt Lake City indiferente ao que lhe pudesse acontecer, contanto que pudesse fazer aquilo que considerava justo. Más notícias o esperavam na cidade dos mórmons. Produzira-se uma querela entre o povo eleito, poucos meses antes, e alguns dos membros mais jovens da Igreja haviam se rebelado contra a autoridade dos anciãos, trazendo como resultado o afastamento de um certo número de descontentes, que logo deixaram o Utah. Entre estes se encontravam Drebber e Stangerson, mas ninguém lhes sabia do paradeiro. Dizia-se que Drebber lograra converter em dinheiro uma grande parte da sua propriedade e partira em ótimas condições financeiras, ao passo que o seu companheiro, Stangerson, ficara relativamente sem recursos. Não havia, contudo, o menor indício do rumo por eles tomado.

Muitos homens, por vingativos que fossem, teriam abandonado toda esperança de desforra em face de semelhante dificuldade, mas Jefferson Hope não fraquejou um momento sequer. Com os parcos recursos que possuía, aumentados aqui e ali por pequenos trabalhos, viajou pelos Estados Unidos, de cidade em cidade, à procura dos seus inimigos. Os anos se passaram, seus cabelos negros já se haviam tornado grisalhos, mas ele continuava a vaguear, qual lebréu humano, com o pensamento fixo no único objetivo da sua vida: vingar-se. Por fim, a sua perseverança foi recompensada. Viu apenas de relance um rosto numa janela, mas isso lhe bastou para saber que ali, em Cleveland, no Estado de Obio, estavam os homens que ele perseguia. Voltou à sua cabana miserável com um plano de vingança perfeitamente concatenado. Acontecera, porém, que Drebber, olhando casual- mente pela janela, tinha reconhecido o vagabundo que passava na rua e lera nos seus olhos uma intenção homicida. Ele e Stangerson, que se tornara seu secretário particular, correram ao juiz de paz, e declararam que as suas vidas estavam ameaçadas pelo ciúme e o ódio de um antigo rival. Nessa mesma noite, jefferson Hope foi preso e, não tendo quem o afiançasse, ficou algumas semanas detido. Quando finalmente o puseram em liberdade, encontrou vazia a casa de Drebber e soube que ele e seu secretário tinham partido para a Europa.

Mais uma vez o vingador se via frustrado nos seus intentos, e mais uma vez o seu ódio concentrado o instigava a prosseguir neles. Faltavam-lhe, porém, quaisquer recursos, e durante algum tempo voltou a trabalhar, acumulando pacientemente o dinheiro necessário para a próxima viagem. Por fim, tendo reunido o estritamente indispensável, partiu para a Europa e começou a seguir os seus inimigos de cidade em cidade, exercendo humildes trabalhos no caminho, mas sem nunca alcançar os fugitivos. Quando chegou a São Petersburgo, eles já tinham partido para Paris; e, quando lá chegou, soube que acabavam de fugir para Copenhague. A capital dinamarquesa também chegou com alguns dias de atraso, pois eles tinham ido para Londres, onde finalmente conseguiu encontrá-los.

Quanto ao que sucedeu nesta última cidade, não podemos fazer melhor do que transcrever a própria narrativa do velho caçador, tal como foi devidamente registrada no diário do dr. Watson, ao qual já tanto devemos.

Primeira Parte
Reimpressão das memórias do dr. John H. Watson, ex-oficial médico do exército britânico

Capítulo 1 – O sr. Sherlock Holmes § Capítulo 2 – A ciência da dedução
Capítulo 3 – O mistério de Lauriston Gardens § Capítulo 4 – O que John Rance tinha a contar
Capítulo 5 – Nosso anúncio traz um visitante § Capítulo 6 – Tobias Gregson mostra o que pode fazer
Capítulo 7 – Uma luz nas trevas

Segunda Parte
A terra dos santos

Capítulo 1 – No deserto do Colorado § Capítulo 2 – A flor do Utah
Capítulo 3 – John Ferrier fala com o profeta § Capítulo 4 – Fuga desesperada
Capítulo 5 – Os anjos vingadores § Capítulo 6 – Continuação das memórias do dr. John Watson
Capítulo 7 – Conclusão

Ilustrações: Richard Gutschmidt, cortesia Camden House
Transcrição: Mundo Sherlock