Sherlock Holmes está vivo?

Sherlock Holmes, na ilustração da matéria original

Ilustração da matéria original

Por Wainwright Evans
Condensado de Seleções do Reader’s Digest

Para milhões de pessoas no mundo inteiro, Sherlock Holmes é um homem real, de carne e osso, que atualmente cria abelhas em Sussex. Procuram o nome dele em dicionários biográficos; ficam de olho à espera de notícias sobre ele. Com efeito, Holmes, com sua fisionomia magra e aquilina, seu cachimbo, seu boné xadrez, o capote com capuz para se proteger contra os nevoeiros de Londres, está mais vivo hoje do que há meio século em A Study in Scarlet ou The Sign of Four.

Em todos os sentidos, menos o físico, Holmes é um personagem mais real do que a maioria das pessoas com quem cruzamos na rua. Provavelmente, nenhum outro personagem da literatura é tão conhecido como ele. O motor que o propelia era sua inteligência aguda, penetrante como um punhal. E era um indivíduo com quem se podia contar numa hora de aperto. Tinha cerca de 1,90 m de ossos e músculos e a forma física de um campeão de boxe. Lembram-se, em The Speckled Band, como ele desentortou aquele atiçador de aço depois de o gigantesco Dr. Roylott o ter entortado? E Holmes não precisava fazer exercício para manter-se em forma. Ele era assim naturalmente.

Contudo, Sir Arthur Conan Doyle, seu criador, não gostava dele. Holmes era um gênio das Mil e Uma Noites que, tirado de dentro de uma garrafa por artes mágicas, se recusava a voltar para ela. Abafou e eclipsou o seu criador, de tal maneira que o maior desejo de Doyle era ver-se livre dele e voltar-se para o que considerava escritos mais sérios.

Conan Doyle, na ilustração original de matéria

Conan Doyle, na ilustração original de matéria

Finalmente, em dezembro de 1893 (seis anos após o primeiro aparecimento do detetive), Doyle escreveu exultante em seu diário: “Matei Holmes”. Foi numa luta de morte com o Professor Moriarty na Cachoeira Reichenbach, na Suíça. “Um lugar horrível”, escreveu Doyle mais tarde, “que eu achei que constituiria um túmulo digno para Sherlock, mesmo que enterrasse com ele minha conta bancária”.

Esse ato mesquinho provocou imediatamente um clamor público de indignação e ódio. “Seu desalmado”, começava a carta de uma leitora. Conan Doyle acabou cedendo à pressão. A 15 xelins por palavra, ressuscitou o detetive e até permitiu que William Gillette escrevesse e produzisse uma peça de teatro chamada Sherlock Holmes, em que Gillette desempenhou o papel principal. Foi um sucesso tremendo.

Depois disso Holmes retirou-se para Sussex para criar abelhas. Só uma vez emergiu do seu afastamento para pôr seus serviços à disposição do Governo Inglês durante a Primeira Guerra Mundial, como vem narrado em His Last Bow. Depois voltou para Sussex e lá está até hoje. O fictício Dr. Watson, de Doyle, escreveu em His Last Bow: “Os amigos do Sr. Sherlock Holmes decerto gostarão de saber que ele continua vivo e bem disposto, embora um tanto tolhido pelo reumatismo. Tem recusado as mais principescas ofertas para incumbir-se de vários casos, porque resolveu que o seu afastamento seria definitivo”.

Os comentários do Dr. Watson sobre a procura dos serviços profissionais de Holmes não eram mera fantasia. Embora a esta altura Holmes já deva ter passado muito dos 90, ainda recebe cartas de toda parte, muitas delas pedindo auxílio. Algumas vem endereçadas para Baker Street, 221-B, Londres; outras são mandadas aos cuidados de Conan Doyle, morto há 24 anos. Algumas são enviadas à Scotland Yard. A princípio, quando a Scotland Yard tinha uma certa diferença com Holmes, essas cartas eram devolvidas de mau humor ao correio, com a indicação: “Não é conhecido aqui”.

Alguns apenas pedem um autógrafo de Holmes. Mas um bom número de esperançosas mulheres querem casar com ele ou pelo menos tomar conta de sua casa. Uma delas esclareceu que era perita em criação de abelhas e sabia “segregar a rainha”, técnica sobre a qual Holmes escrevera uma monografia.

A Exposição Sherlock Holmes, que já esteve em Londres e Nova York, reproduz amorosa e exatamente, até o último detalhe transcrito nos livros, o famoso escritório de Baker Street. Entre os objetos que aí figuram estão, por exemplo, a caixa de rapé de Holmes, que lhe foi oferecida pelo Rei da Boêmia, a famosa lanterna furta-fogo, umas algemas descritas em A Study in Scarlet, uma espingarda de ar do tipo da que foi usada pelo Coronel Moran quando procurou matar Holmes.

O arsenal da exposição compreende os revólveres usados por Holmes e Watson. Um é do tipo dos que Holmes usava para treino de tiro ao alvo na casa de Baker Street. “Ficava sentado na sua poltrona, com o dedo no gatilho suave e cem cartuchos boxer, e patrioticamente enfeitava a parede com as iniciais da rainha feitas a buracos de bala”, diz Watson em The Musgrave Ritual. Outra arma é uma Eley n.º 2, tão pequena que cabe num bolso. Era essa que Holmes levava quando ele e Watson saíam em perseguição do Dr. Roylott em The Speckled Band.

Além dos admiradores que acreditam em Sherlock Holmes tão completamente como acreditam em Winston Churchill, há a multidão dos que se divertem com isso. Estes últimos fundaram trinta e tantas sociedades Sherlock Holmes, como os Irregulares de Baker Street, de Nova York – que tiram o nome do bando da vagabundos de Londres que Holmes costumava utilizar em suas investigações. Um eminente Irregular de Baker Street foi Franklin D. Roosevelt.

– Holmes é tão real quanto pode torná-lo a fé que milhões de pessoas tem nele – disse-me recentemente num almoço o Sr. C. Tranfield Thorne, diretor da Exposição Sherlock Holmes. – Há pouco tempo, Holmes recebeu um pedido para que descobrisse o endereço de um certo ator chamado Orson Welles. Fazendo as vezes de Holmes naquela emergência, pus em ação meu poder dedutivo, localizei Orson Welles no Who’s Who e mandei o endereço dele para o homem.

Depois foi uma moça que assinava “Evelyn”. Mandava uma flor fresca e queria que o Sr. Holmes se encontrasse com ela à porta do recinto da exposição às cinco horas de segunda-feira, usando aquela flor como identificação. Queria consultá-lo sobre algo importante.

Durante anos o Sr. Thorne vem se divertindo perguntando às pessoas se acham que Sherlock Holmes de fato existiu.

Nesse momento apareceu a moça que nos servia e o Sr. Thorne fêz-lhe a pergunta. Ela arregalou os olhos com surpresa: – Ora… claro que existiu – respondeu ela.

– É verdade – perguntei ao Sr. Thorne – que metade das pessoas a quem se faz essa pergunta acredita que Sherlock Holmes ainda vive?

O Sr. Thorne sorriu.

– Elementar, Dr. Watson – respondeu.

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Uma resposta para Sherlock Holmes está vivo?

  1. mundosherlock disse:

    O artigo não menciona o mês de sua publicação, nem o ano. No entanto, o artigo parece ser de 1954 e foi postado em 01/01/1954.

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